segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Insustentável

Um resumo de um texto notável, acessível em: http://resistir.info/energia/5_axiomas.html.

Cinco axiomas da sustentabilidade

por Richard Heinberg [*]

Resumo: O meu objectivo neste ensaio é analisar a história dos termos sustentável sustentabilidade, as suas várias definições publicadas, e por último expor um conjunto de cinco axiomas (baseado numa revisão da literatura existente sobre o tema) a fim de ajudar a clarificar as características de uma sociedade durável.Richar Heinberg.

A essência do termo sustentável é bastante simples: "aquilo que pode ser mantido ao longo do tempo". Implicitamente, isto significa que qualquer sociedade, ou qualquer aspecto de uma sociedade, que seja insustentável, não pode ser mantido por muito tempo e deixará de funcionar numa qualquer altura.

É provavelmente seguro assumir que nenhuma sociedade poderá ser mantida para sempre: os astrónomos garantem-nos que daqui a uns milhares de milhões de anos o Sol terá aquecido ao ponto em que os oceanos se evaporarão e a vida no nosso planeta terminará. Desta forma, sustentabilidade é um termo relativo. Parece então ser razoável tomar como marco temporal de referência as durações das civilizações anteriores, que variaram de várias centenas a vários milhares de anos. Sendo assim, uma sociedade sustentável seria aquela que fosse capaz de se manter durante muitos séculos no futuro.

No entanto, a palavra sustentável tem sido amplamente usada nos anos recentes para, de um modo vago e geral, referir apenas as práticas que têm a reputação de estarem mais de acordo com um meio ambiente saudável do que outras. Esta palavra é, com frequência, muito negligentemente usada, de tal maneira que tem levado alguns ecologistas a aconselhar o abandono do seu uso [1] . Ainda assim, creio que o conceito de sustentabilidade é essencial para compreender e solucionar o dilema ecológico das nossas espécies, e que a palavra poderá ser reabilitada se estivermos dispostos a despender um pequeno esforço para chegarmos a uma definição clara.

História e antecedentes 

O conceito essencial de sustentabilidade foi incorporado na visão mundial e nas tradições de muitos povos indígenas; por exemplo, foi um preceito de Gayanashagowa, ou a Grande Lei da Paz (a constituição dos Haudenosaunee ou as Seis Nações da Confederação dos Iroquois) que levava os chefes a avaliar o impacte das suas decisões sobre a sétima geração futura. O primeiro uso europeu conhecido de sustentabilidade (em alemão: Nachhaltigkeit) ocorreu em 1712 no livro Sylvicultura Oeconomica pelo silvicultor e cientista alemão Hannss Carl von Carlowitz. Mais tarde, os silvicultores franceses e ingleses adoptaram a prática de plantar árvores como um caminho para a "silvicultura de rendimento contínuo".

O termo começou a ser mais difundido depois de 1987, quando o Relatório Brundtland da Comissão Mundial de Ambiente e Desenvolvimento definiu desenvolvimento sustentável como sendo o desenvolvimento que "satisfaz as necessidades da geração actual sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazer as suas próprias necessidades" [2] . Esta definição de sustentabilidade teve a capacidade de, na época, ser muito influente, sendo ainda amplamente usada; não obstante foi criticada por não identificar de uma forma explícita a insustentabilidade do uso de recursos não-renováveis, nem o problema do crescimento da população [3] .

Ainda nos anos oitenta, o oncologista sueco Dr. Karl-Henrik Robèrt reuniu os principais cientistas suecos para estabelecerem um consenso sobre as exigências de uma sociedade sustentável. Em 1989 ele formulou este consenso baseado em quatro condições para a sustentabilidade que por sua vez configurou a base do estabelecimento para uma organização, O Passo Natural (The Natural Step) [4] . Subsequentemente, as principais 60 corporações suecas e 56 municipalidades, assim como muitas empresas de outros países, empenharam-se no cumprimento das condições da O Passo Natural. As quatro condições são as seguintes:
1. Para que uma sociedade seja sustentável, as funções da natureza e a diversidade não deverão estar sistematicamente sujeitas a concentrações crescentes de substâncias extraídas da crosta terrestre.

2. Para que uma sociedade seja sustentável, as funções da natureza e a diversidade não deverão estar sistematicamente sujeitas a concentrações crescentes de substâncias produzidas pela sociedade.

3. Para que uma sociedade seja sustentável, as funções da natureza e a diversidade não deverão ser sistematicamente empobrecidas através de deslocamento físico, da sobre-exploração,   ou de outras formas de manipulação do ecossistema.

4. Numa sociedade sustentável, as pessoas não deverão estar sujeitas a condições que sistematicamente debilitam a capacidade de satisfazerem as suas necessidades.
Sentindo a necessidade de contabilizar ou criar um procedimento com o qual fosse possível medir a sustentabilidade, em 1992 o ecologista canadiano William Rees introduziu o conceito da Pegada Ecológica, definido como a área de terra e água que hipoteticamente uma população humana necessitaria para obter os recursos exigidos à sua própria sustentação e para absorver os seus desperdícios, em função da tecnologia em uso [5] . O que se infere desta definição é o reconhecimento de que, para a humanidade alcançar a sustentabilidade, a pegada da totalidade da população mundial deve ser inferior à área total terra/água da Terra (aquela pegada é actualmente calculada pelaFootprint Network como sendo aproximadamente 23% maior do que o planeta pode regenerar, concluindo-se que a espécie humana está a operar de um modo insustentável).

Num trabalho publicado em 1994 (e revisto em 1998), o professor catedrático de física Albert A. Bartlett formulou as 17 Leis da Sustentabilidade, procurando clarificar o significado de sustentabilidade em termos de população e consumo de recursos [6] . As críticas de Bartlett ao uso descuidado deste termo, e a sua rigorosa demonstração das implicações de crescimento continuado, foram importantes influências no presente esforço do autor para definir o que é genuinamente sustentável.

Uma pesquisa histórica verdadeiramente exaustiva do uso dos termos sustentável sustentabilidade não é viável. Uma procura na amazon.com da palavra sustentabilidade (17/Janeiro/2007) resultou em quase 25 mil possibilidades de pesquisa – provavelmente, correspondendo a vários milhares de títulos distintos que contêm a palavra.Sustentável obteve 62 mil resultados, incluindo livros em liderança sustentável, comunidades, energia, desenho, construção, negócios, desenvolvimento, planeamento urbano, turismo, etc. Uma procura de artigos de revista noGoogle Scholar resultou em mais de 538 mil resultados, indicando milhares de artigos escolares ou referências que continham a palavra sustentabilidade nos seus títulos. Porém, o meu assumido conhecimento pouco exaustivo em literatura sobre o tema, (sustentado, entre outras fontes, por dois livros que fazem uma avaliação da história do conceito de sustentabilidade) [7] sugere que muito, se não a maioria deste imenso corpo de publicações repete ou baseia-se nas várias definições e condições descritas atrás.

Cinco Axiomas 

Como contribuição para este contínuo refinamento do conceito, formulei cinco axiomas (verdades evidentes) de sustentabilidade. Não apresentei nenhuma nova noção fundamental em nenhum dos axiomas; o meu objectivo é apenas extrair as ideias que foram propostas e analisadas por outros, e apresentá-las numa forma que seja mais precisa e simples de entender.

Formulando estes axiomas procurei ter em conta definições prévias de sustentabilidade, e também as mais convincentes críticas dessas definições. Os meus critérios foram os seguintes:
  • Para ser qualificado como um axioma, o seu texto deve ser capaz de ser avaliado usando metodologia científica; 
  • Colectivamente, um conjunto de axiomas, que pretenda definir sustentabilidade, deve ser mínimo (sem redundâncias); 
  • Ao mesmo tempo, os axiomas devem ser suficientes, não deixando nenhuma saída evidente; 
  • Os axiomas devem ser formulados em condições que qualquer pessoa comum possa entender.
Temos então aqui os axiomas, seguidos de uma breve Discussão: 

1. (Axioma de Tainter): Qualquer sociedade que use continuamente recursos críticos de modo insustentável, entrará em colapso.

Excepção: Uma sociedade pode evitar o colapso encontrando recursos de substituição.

Limite à excepção: Num mundo finito, o número de possíveis substituições é também finito. 


2. (O Axioma de Bartlett): o crescimento populacional e/ou o crescimento das taxas de consumo dos recursos não é sustentável. 


3. Para ser sustentável, o uso dos recursos renováveis deve seguir uma taxa que deverá ser inferior ou igual à taxa de reposição. 


4. Para ser sustentável, o uso de recursos não-renováveis tem de evoluir a uma taxa em declínio, e a taxa de declínio deve ser maior ou igual à taxa de esgotamento (depletion rate). 

Taxa de esgotamento é a quantidade extraída durante um dado intervalo de tempo (normalmente um ano) como uma percentagem da quantidade deixada para extracção. Fórmula: (quantidade extraída) / (quantidade ainda por extrair).

5. A sustentabilidade requer que as substâncias introduzidas no ambiente pela actividade humana sejam minimizadas e tornadas inofensivas para as funções da biosfera.

Nos casos em que a poluição ameaça a viabilidade dos ecossistemas, em virtude da extracção e do consumo dos recursos não-renováveis, sendo que se tem assistido ultimamente, e desde algum tempo, a uma ampliação destas taxas, temos então a necessidade de estabelecer uma redução das taxas de extracção e de consumo desses recursos a uma taxa superior à taxa de esgotamento. 

Avaliação 

Estes axiomas estão evidentemente abertos a um refinamento adicional. Tentei antecipar-me a possíveis críticas, prevendo-as e tendo-as em consideração, que provavelmente serão do tipo que acham que estes axiomas não são suficientes para definir o conceito de sustentabilidade. De todas elas, a crítica mais óbvia é a que merece ser mencionada e discutida aqui: Porque não existe nenhum axioma relacionado com a justiça social (semelhante à quarta condição do Passo Natural)?

O propósito do conjunto de axiomas expostos aqui, não será a descrição das condições que nos conduziriam a uma sociedade boa ou justa, mas simplesmente a uma sociedade capaz de se manter ao longo do tempo. Não é claro que uma igualdade económica perfeita, ou um sistema perfeitamente igualitário de tomada de decisão, seja indispensável para evitar o colapso da sociedade. É certo que a extrema desigualdade torna as sociedades vulneráveis a motins sociais e políticos. Por outro lado, poderíamos argumentar que a adesão de uma sociedade aos cinco axiomas expostos, resultaria numa sociedade com níveis maiores de igualdade económica e política, eliminando assim a necessidade de um axioma separado considerando este último aspecto em questão. Na literatura antropológica, as taxas modestas de consumo dos recursos e a baixa dimensão populacional, relativamente à dotação dos recursos de base, estão correlacionados com o uso do processo de tomada de decisão e com a equidade económica – embora a correlação seja distorcida por outras variáveis, tais como as relacionadas com a alimentação (as sociedades caçadoras e colectoras tendem a ser altamente equitativas e igualitárias, enquanto as sociedades de massas tendem a ser menos). Se tais correlações continuarem a manter-se, a reversão para taxas de consumo de recursos mais baixas deveria conduzir a uma sociedade mais igualitária, em lugar de menos igualitária [14] .

Será que alguma vez os políticos, locais, nacionais e internacionais, irão dar forma a uma política pública que esteja de acordo com estes cinco axiomas? É evidente que as políticas que exijam o fim do crescimento populacional – e inclusivamente, talvez o decrescimento populacional – assim como a redução do consumo dos recursos, não seriam populares, a menos que as pessoas em geral pudessem ser persuadidas da necessidade de tornar sustentáveis as suas actividades. No entanto, se os líderes não começarem a ter em conta estes axiomas, a sociedade como um todo, ou alguns aspectos dela, começará seguramente a desmoronar-se. Talvez este seja um estímulo suficiente para superar a resistência psicológica e política que, a não verificar-se, frustraria os esforços que nos conduziriam a uma verdadeira sustentabilidade.


Notas 

1. Eric Freyfogle, Why Conservation Is Failing and How It Can Regain Ground (Yale University Press, 2006)
2. Comissão mundial do ambiente e desenvolvimento, Our Common Future (1987), www.are.admin.ch/are/en/nachhaltig/international_uno/unterseite02330/ 
3. Albert A. Bartlett, Reflections on Sustainability, Population Growth, and the Evnironment—Revisted. Renewable Resources Journal, Vol. 15, No. 4, Winter 1997-1998, 6-23. www.hubbertpeak.com/bartlett/reflections.htm 
4. www.naturalstep.org  
5. William E. Rees and Mathis Wackernagel, Our Ecological Footprint (New Society, 1995). www.footprintnetwork.org 
6. Bartlett 1998, op. cit.
7. Simon Dresner, Principles of Sustainability (Earthscan, 2002); Andres Edwards, The Sustainability Revolution: Portrait of a Paradigm Shift (New Society, 2005)
8. Julian Simon, The State of Humanity: Steadily Improving. Cato Policy Report, Vol. 17, No. 5, 131.
9. Jared Diamond, Collapse: How Societies Choose to Fail or Survive  , Bantam Press, Londres, 2006, 352 pgs., ISBN: 0593055527 ; Joseph Tainter, The Collapse of Complex Societies (Cambridge University Press, 1988)
10. Bartlett 1998, op. cit.
11. E.g., Simone Valente, Sustainable Development, Renewable Resources and Technological Progress em Environmental and Resource Economics, Vol. 30, No. 1, January 2005, 115-125.
12. Albert A. Bartlett, Sustained Availability: A Management Program for Nonrenewable Resources. American Journal of Physics, Vol. 54, May 1986, 398-402
13. Richard Heinberg, The Oil Depletion Protocol: A Plan to Avert Oil Wars, Terrorism and Economic Collapse (New Society, 2006); www.oildepletionprotocol.org 
14. Ver, por exemplo, Marshall Sahlins, Stone Age Economics (Aldine, 1972); Gerhard Lenski, Power and Privilege (University of North Carolina Press, 1977); and Ivan Illich, Energy and Equity (Calder and Boyars, 1974). 


[*] Autor de The Oil Depletion Protocol  .
O texto do protocolo em português encontra-se em http://resistir.info/energia/depletion_protocol_p.html .

Para definições de expressões utilizadas neste artigo ver Glossary 

O original encontra-se em http://www.globalpublicmedia.com/articles/851  . Tradução de MJS. 

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