terça-feira, 15 de maio de 2012

Muito aquém da sustentabilidade


Texto longo, escrito para suporte papel, assinado por mim e por Célia Marques, publicado na revista Latitde 39, número 3, de Novembro de 2011.

     A cultura ambiental da nossa sociedade (Portuguesa) está aquém dos desafios actuais e futuros. Apesar dos esforços e progressos da educação ambiental, o desconhecimento sobre a sustentabilidade impera em todos os meios. Tenta-se ensinar a cultura da protecção da natureza (chamando-lhe, erradamente, ambiente) e a preservação das espécies, mas falha-se redondamente na construção de uma solução integral que faça a integração dinâmica entre os 4 alicerces da sustentabilidade: natureza, sociedade, política e economia.
     Na escola, em casa, na televisão e nas igrejas (os 4 mais potentes meios de educação que temos) fala-se sobre alterações climáticas e preservação de recursos, mas falha-se bastante na ligação entre estas componentes, a produção, o consumo, a economia, a pobreza, a saúde e o bem-estar dos indivíduos e das comunidades. Falamos (sem fazer grandes esforços por praticar) em desenvolvimento sustentável. Estamos, hoje, a (im)preparar as crianças e os jovens para os desafios de hoje e de amanhã. Faltam escutismos modernos, adaptados às novas exigências da Terra.
     Actualmente, será mais correcto falar em culturas ambientais emergentes promotoras do desenvolvimento sustentável do que numa cultura única de tendência conservacionista como a que dominou os anos oitenta e noventa, se mediatizou pelo movimento Greepeace e se vulgarizou na educação, no ordenamento do território e nos meios universitários.
     Na medida em que se dissemina a informação ambiental através de múltiplos meios, designadamente a televisão e a Internet, e que os problemas da sobre-exploração dos recursos terrestres se vão tornando evidentes, vai-se alargando a base de apoio e a diversidade de filosofias ambientalistas, de grupos de opinião e acção. Aparentemente, emerge uma moda: o desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade.
     No âmbito desta moda, numa óptica mais puritana, encontramos hoje o budismo ocidental, o vegarismo e algum ambientalismo radical que se expressa de forma interessante em abordagens como a permacultura.      
     Numa óptica de intervenção social para o desenvolvimento sustentável, expressa-se pelas associações ambientalistas como a LPN e a Quercus e as inúmeras organizações de desenvolvimento local. Numa perspectiva mais empresarial, encontra expressão na cultura da Responsabilidade Social da Empresas, designadamente através de estruturas como a BCSD.
     De um modo geral, com a Internet, a generalização do acesso à informação e às redes globais de relacionamento, a integração e a internacionalização destas múltiplas abordagens e dos seus actores aprofunda-se.
     Mas, efectivamente, nas práticas e nas decisões actuais, persiste uma cultura dominadora que reflecte a educação e a sociedade dos últimos 80 anos. É bem representada pelos envelhecidos defensores do crescimento económico como o promotor do progresso, cépticos em relação à insustentabilidade (evidente na actualidade) do nosso modelo de consumo, de produção e de convivência com a natureza. Continua-se a defender que o progresso se baseia no racionalismo obtuso, na produção, no crescimento económico e na dinamização dos consumos, transformando a economia e a indústria em predadores de recursos e a sociedade numa extensa fábrica virada para a satisfação voraz dos consumidores e para o lucro irresponsável.
     De acordo com os «5 axiomas da sustentabilidade» de Richard Heinberg e as perspectivas das Cimeiras da Terra de 1992 e 2002, já muitos perceberam que o progresso da Humanidade tem de se basear num «Regresso à Terra», como advogou há mais de 15 anos Soromenho Marques. Existe a necessidade de restabelecer um forte equilíbrio entre a Mãe Terra (os seus ecossistemas milenares) e as pessoas dentro das comunidades, na busca do máximo bem-estar integral, regenerando os ecossistemas de suporte, numa óptica local e global com forte responsabilidade de todos. Até porque as alterações climáticas, a desflorestação, a urbanização predadora e a contaminação dos recursos essenciais (água, solo e ar) conjugam-se para uma mudança ecossistémica acentuada à escala global que reduz o horizonte de sustentabilidade do planeta e da Humanidade para perto dos 2250 anos depois de Cristo ou, eventualmente, como advoga um número crescente de cientistas, para a próxima geração!
     Hoje, na perspectiva optimista, a pegada ecológica (William Rees, 1992) média mundial está perto do limite de sustentabilidade. Mas a população continua a crescer e, se nada se alterar, em 2050, seremos entre oito mil e 9.000 milhões de habitantes humanos no planeta Terra. Cada português contribui com a sua parte, salvaguardando o conforto que adquirimos nos últimos 40 anos. Temos uma pegada ecológica por pessoa muito superior ao que o planeta suporta e superior à média europeia! Somos, efectivamente, irresponsáveis à vista do que já conhecemos.
     Esta situação corresponde a uma cultura de irresponsabilidade que as conferências de Paris (2008) e de Barcelona (2010) sobre o desenvolvimento económico sustentável puseram a nú, mas sobre a qual demoramos a agir.
     Confirma-se hoje, no âmbito dos especialistas e investigadores destas áreas, que a prosperidade económica que temos fragiliza e põe em causa a prosperidade social, a sustentabilidade da natureza e a sustentabilidade política das democracias e das monarquias. A situação actual promove a insustentabilidade, não sendo possível combatê-la com soluções parcelares e desgarradas, apenas com uma solução integral e responsável. Mas esta consciência ainda não se encontra devidamente disseminada, nem as soluções se encontram devidamente amadurecidas.
     Todavia, as propostas de Rob Hopkins e do movimento de transição no seu Transition handbook ou as abordagens do decrescimento económico (degrowth movement) emergem como caminhos de recuperação que carecem de uma forte disseminação e vinculação social.
     É neste campo que o movimento escutista, seguindo as perspectivas dos seus fundadores, pode afirmar-se como uma das maiores riquezas à escala global! Efectivamente, o escutismo pode ser a resposta para uma sociedade em crise que precisa de se reencontrar com a Terra, ampliando-se e alargando-se na defesa de princípios universais de base ecológica e transcendente que também começam a ter relevância nos discursos empresariais, políticos e psicológicos. Até porque, sendo um movimento voluntário e aberto, de consciencialização e educação não formal para crianças e jovens, sem vínculos politico-partidários, que complementa a educação das outras instituições, valoriza a participação de pessoas de todas as origens sociais, raças e crenças.
     Afinal, apenas se alteram alguns equilíbrios e as convicções das modas que passam, mas persistem as grandes convicções que as religiões, as instituições e as filosofias ancestrais consagram! Mudam-se os tempos, mas não mudam as bases estruturais da Humanidade na Terra!
     Alicerçados na Internet, que disponibiliza informação a nível global, muda as nossas relações, liberta-nos, torna-nos mais interdependentes e liga-nos a todos nos problemas e soluções que podem existir, aqueles que lutam pela Terra estão agora mais juntos e mais conscientes. Entramos numa nova era de progresso muito para além do económico, numa nova proposta de criação de sustentabilidade a partir da civilidade e da cooperação responsável: o decrescimento sustentável.

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