sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Maldita ou Madrasta: que Escola?

Aqui deixo o contributo do meu querido amigo Raul. Chegou por e-mail. Porque considero de grande riqueza para o debate, pedi-lhe autorização para publicar. Ele acedeu. Afianço-vos que este foi um dos excelentes professores que conheci! Está reformado, que pena! Quem, também, o diz são os seus alunos. Ele sabe do que fala. Normalmente, só fala do que sabe. Além disso, é a integridade e a civilidade em pessoa! Obrigado Raul.


Maldita ou Madrasta: que Escola?


Para quem, praticamente, nunca deixou o ensino nos últimos 53 anos, com mais de duas décadas na docência do básico 3 ao superior e umas quantas (re)formas pelo meio, esta reflexão não pode ser ignorada nas seguintes dimensões: i) a escola pode ser quase tudo; ii) a escola mal falada (mal-dita); iii) a escola asfixiadora, mas também a ‘escola aspirador’ (mais comum em graus superiores); iv) a Escola (Extra)ordinária (sem nomes).


A ‘Escola pode ser quase tudo’ sem ser ‘madrasta’, arredia da investigação inovadora, normalizadora de procedimentos, tipo ‘fabrica de parafusos’, isolacionista qual escola redoma, normalmente elitista e situacionista, muitas vezes museológica, nalguns casos padecendo da síndrome dos ranking, prometendo o Homem livre, mas trabalhando para o amestrar, amputando-lhe a liberdade e muitas vezes conduzindo-o à marginalidade, por incompreensão ou ignorância. 


‘Maldita / Mal-dita / Madrasta’ sempre que não percebe que trabalha para domesticar a afectividade, embotar a perspicácia, tolher a diferença, na ânsia de criar cidadãos integrados e ordeiros: o rebanho!


A ‘escola mal falada (mal-dita)’ foi uma brilhante criação dos media ao serviço de diferentes governos, com ‘acólitos’ comentadores imbecis que foram tentando corroer a tríade ‘pais-professores-estudantes’ que suporta o Sistema, mas sem se preocuparem em dizer que os pais devem saber o que esperar dos seus filhos; que os professores têm de dominar a ‘arte’ de ensinar, sem desgaste e com prazer, logo com ‘treino’ adequado; que os estudantes devem progredir sem tédio e com prazer, tornando a ‘escola mal falada’ numa ‘escola bem amada’, não necessariamente a do ‘mestre camarada’, mas de certeza a do ‘mestre companheiro’.


A ‘escola asfixiadora’ é uma praga que existe desde que vesti os primeiros calções para me sentar nos seus bancos, hoje aparentemente menos agressiva. A asfixia começa em conteúdos programáticos muitas vezes desfasados da idade dos alunos e da realidade, mas que servem os interesses de afirmação académica da ‘Disciplina’, reproduzindo para baixo o que é suposto saber mais acima, bastas vezes de uma forma (des)propositada. Uma organização docente ‘forçadamente’ de equipa, onde é fácil encontrar problemas de liderança, uma deficiente articulação com o exterior e uma ‘castração do diferente’ (estudantes e professores) ajuda à falta de ar. Quanto à ‘escola aspirador’ é a da mão-de-obra barata onde muitos alunos trabalham naquilo que não lhes interessa mas que é útil para os professores, por várias razões, nenhuma legítima.


Quanto à ‘escola (extra)ordinária’. Extraordinária porquê? Porque tem boas posições nos ranking nacionais, independentemente da sua localização? Porque promove a inclusão? Porque é amiga? Porque não é madrasta?


Por fim e apesar do texto não se debruçar sobre a dimensão prática do ensino, tenho de trazer à colação a ‘escola do saber-fazer’. Com a extinção dos Cursos Comerciais e Industriais após o 25 de Abril de 1974, mais por questões políticas discutíveis do que por demérito de resultados, que aliás asseguraram a entrada de excelentes profissionais em diferentes sectores do comércio, indústria e serviços, impunha-se voltar a olhar para a via profissionalizante de forma a restabelecer uma maior/nova interacção entre os mundos da escola e do trabalho. Contudo foi-se olhando para o ‘sistema profissional’ como um antídoto contra o desemprego, como um lugar onde era necessário manter ocupadas algumas ‘crianças’ e adolescentes perante a falta de trabalho, ignorando-se que esta via também deve fazer parte da ‘escola de todos’, o lugar para obter um melhor trabalho, mais êxito e sabedoria.


Raul Marques, 30 de Dezembro de 2011 


Nota minha: este texto foi escrito ao sabor da tecla, sem ter sido revisto posteriormente. Quem escreve assim...é obra!

6 comentários:

  1. O tema "escola" engloba muitas questões que podem debatidas. Tento salientar algumas que me sugeriu este texto, na perspectiva de uma pessoa que ainda se insere neste universo (pelo menos por mais um semestre).


    A escola é o lugar de comunhão. Nunca perderá esta "qualidade", e acentua-se, pois ficamos cada vez mais tempo ligada a ela e encerrados nela. O meu pai acabou a antiga quarta classe a uma sexta e começou a trabalhar a um sábado... tinha 10 anos... Voltou aos estudos mais tarde, trabalhando paralelamente. Eu comecei a trabalhar aos 22, por iniciativa própria, não por necessidade. É norma e não excepção entrar no mercado de trabalho apenas no final de um curso universitário. Mas será que este tempo todo que passamos na "escola" deixa-nos melhor preparados para a "vida lá fora"? Sem dúvida saímos com mais conhecimentos que os nossos pais mas apenas com 10% de 17 anos de memorização e testes que mais se assemelham a uma corrida de obstáculos.


    Não querendo entrar num universo utópico, nos meandros da pedagogia e a razão de ser do nosso sistema avaliativo, apenas quero salientar alguns pontos que me parecem pertinentes. A escola não acompanhou a evolução social e essencialmente tecnológica dos últimos 20 anos. Durante esta minha "estadia", parti do pressuposto que um computador é uma ferramenta de trabalho com disquetes do tamanho de um livro, telemóveis transportam-se em mochilas, telemóveis é o ultimo grito da moda, toda a gente tem um 32-10 da Nokia e já não tenho de gravar cassetes para ouvir no walkman... descarrego da internet para um mp3 (isto apenas até ao secundário). Se a mim faz confusão imaginem às gerações mais antigas. (aquelas que controlam a escola).


    Quanto às matérias leccionadas penso que não há contestação ao afirmar que estão ultrapassadas. Acontece nas faculdades, expoente máximo de contemporaneidade da "escola", é de esperar que aconteça com mais frequência nos outros ciclos. As acções de modernização da escola devem ser mais assertivas e corajosas, batendo de frente contra as mentes mais retrógradas.

    Partindo deste ponto tenho que apontar, na minha óptica, os principais culpados do estado actual pois são o centro nevrálgico deste universo: os professores. Um professor que afirme que os alunos dos últimos anos são piores que os de antigamente apenas vem evidenciar a sua inadequação para se actualizar (e talvez ensinar). Os alunos não são piores, são diferentes. Não lêem tanto, não escrevem tão bem, no entanto são mais informados e mais aptos para resolver problemas (derivado dos jogos de computador). Dito isto, os professores também são a solução. Posso não me lembrar de todas as matérias que estudei mas lembro me muito bem de vários ensinamentos que alguns professores especiais me deixaram. São essas poucos iluminados que muitas vezes sem incutir, apenas oferecendo aquilo que são, ajudam a formar o carácter de uma pessoa. Não acredito numa revolução no ensino, instigada por um poder superior, mas sim na busca incessante de cada professor, individualmente, de se superar, e alterar as coisas em seu redor, funcionando como uma força motriz.


    Espero ter levantado algumas questões para debater, tendo em mente que estas geram muitas mais.

    Ricardo Morais

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  2. MUITO OBRIGADO Ricardo. Partilho, comungo até, tudo o que escreveu! Possivelmente, seremos ainda poucos, ou talvez não, talvez não tenhamos é o devido espaço para apresentar-mo-nos como uma parte muito significativa, mas não única, da solução.

    Até breve, em defesa deste «LUGAR DE COMUNHÃO».
    Se não teclarmos antes, Excelente 2012.

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  3. Quixera contribuir desde Espanha, e desde o idioma da Galiza, no debate que fomenta o Raul Marques
    1.-Madrasta. En efeito é a escola que fuxe da innovação, a que está enchida de envexas e odios contra os que mudan as praticas profesionais, eses que non queren ser escravos de rutinas e guardians de tradicións
    2.-A escola mal-dita. A escola da que falan os iñorantes, en especial os dos medios de comunicación, que pensan que saben todo de mcalquera coisa. Falan dos indicadores de PISA e non coñecen nen o que significan os acrónimos, falan de ensino e xamáis pisaron un aula. Falan da cultura e viven no consumo da cultura hexemónica sen ter pensado nela
    3.-A escola asfixiadora. Esa é a que perceben moitos alunos, pois baixo a promesa da liberação atopan castração dos seus intereses, dos seus anceios. Por iso os separan da multitude que quere seguir o caminho da medicridade.
    4.-A escola extraordiària? Non, eu diria a escola que reflicte o dereito da cidadanía a uma educación integral, a fazer cumplir coa obriga do dereito universal para ser pessoa
    A esta escola aínda aspiramos algums que non perdemos a espranza de seguir loitando polos nosos ideiais.
    Xosé M

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  4. Querido amigo Xosé! Há quanto tempo!
    Desde já, um grande abraço e muito obrigado por participares neste debate para lá das fronteiras geográficas que, felizmente, vão desaparecendo.

    Este post do Raúl é, realmente, muito interessante, os teus comentários enriquecem-no e colocam a tónica em vários pontos centrais:
    - Inovação vs «velhice» enraizada
    - Desconhecimento e falta de aprofundamento do tema - facilmente Mal-falada por quem a desconhece
    - Asfixiadora do prazer de aprender
    - Com várias incapacidades para RESPEITAR, DESENVOLVER e TREINAR para a cidadania, e para a plenitude da pessoa(na escola e no futuro)

    Tomo a liberdade de lhes juntar
    - A perspetiva e o perfil de muitos professores está inadequado (ideia defendida pelo Ricardo Morais)
    - As práticas escolares (dentro e fora da sala de aula) precisam de ser mais democráticas e responsabilizadoras - digo eu!

    Pergunto-te assim: Que pequeno passo poderemos dar para ajudar a concretizar as mudanças que identificamos como essenciais?

    Poderemos começar por fazer dois exercícios práticos: a definição do perfil do renovado professor e a criação de uma lista de boas atitudes e boas práticas?

    Ou haverá outros caminhos melhores?

    Tudo de bom e até breve,
    AC

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  5. A deinição do professor de ensino bàsico deve estar pressidido por dois objetivos:
    a formação cidadá (ser cidadá no século XXI)
    a autonomía de criterio para seleccionar informação
    Para isto não podemos seguir formando aos futuros mestres con conferèncias e informaçôes explicativas. Deven fazer coisas: buscar informação, atender aos alunos nas pràticas, entender e comrpender as conceições espontâneas sobre problemas sociais e ambientais, trabalhar en grupos e adoptar decisões
    Isto crea moita desorientação inicial entre o alunado de universidade, pero despóis é aceitado ou polo menos asumido
    Um abraço

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  6. Exato. Não posso estar mais de acordo!
    Como os professores devem ser «TRANSFORMADORES», devem treinar-se para ajudar os alunos a transformarem-se. Por isso, não lhes chega aprender academicamente a sua profissão. Têm de ser capazes de fazer tudo o que assinalas!

    Também concordo contigo sobre a desorientação inicial e a segurança seguinte. na universidade, vi alguns colegas desorientados, mas, depois, vejo-os hoje muito mais capazes!

    Mas, nesse campo, posso dizer que tive sorte. Tive 2 mestres notáveis: João Ferrão e Herculano Cachinho que bebem muita sabedoria nos temas da didática de outro mestre que tenho a honra de conhecer: tu mesmo! (desculpa o elogio público, mas mereces)

    Daí a importância dos Mestres Transformadores. Que nem precisam de dar nas vistas!

    Um grande abraço e até breve,
    AC

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