Texto longo, escrito para suporte papel, assinado por mim e por Célia Marques, publicado na revista Latitde 39, número 3, de Novembro de 2011.
A cultura
ambiental da nossa sociedade (Portuguesa) está aquém dos desafios
actuais e futuros. Apesar dos esforços e progressos da educação
ambiental, o desconhecimento sobre a sustentabilidade impera em todos
os meios. Tenta-se ensinar a cultura da protecção da natureza
(chamando-lhe, erradamente, ambiente) e a preservação das espécies,
mas falha-se redondamente na construção de uma solução integral
que faça a integração dinâmica entre os 4 alicerces da
sustentabilidade: natureza, sociedade, política e economia.
Na escola, em
casa, na televisão e nas igrejas (os 4 mais potentes meios de
educação que temos) fala-se sobre alterações climáticas e
preservação de recursos, mas falha-se bastante na ligação entre
estas componentes, a produção, o consumo, a economia, a pobreza, a
saúde e o bem-estar dos indivíduos e das comunidades. Falamos (sem
fazer grandes esforços por praticar) em desenvolvimento sustentável.
Estamos, hoje, a (im)preparar as crianças e os jovens para os
desafios de hoje e de amanhã. Faltam escutismos modernos, adaptados
às novas exigências da Terra.
Actualmente,
será mais correcto falar em culturas ambientais emergentes
promotoras do desenvolvimento sustentável do que numa cultura única
de tendência conservacionista como a que dominou os anos oitenta e
noventa, se mediatizou pelo movimento Greepeace e se vulgarizou na
educação, no ordenamento do território e nos meios universitários.
Na medida em
que se dissemina a informação ambiental através de múltiplos
meios, designadamente a televisão e a Internet, e que os problemas
da sobre-exploração dos recursos terrestres se vão tornando
evidentes, vai-se alargando a base de apoio e a diversidade de
filosofias ambientalistas, de grupos de opinião e acção.
Aparentemente, emerge uma moda: o desenvolvimento sustentável e a
sustentabilidade.
No âmbito
desta moda, numa óptica mais puritana, encontramos hoje o budismo
ocidental, o vegarismo e algum ambientalismo radical que se expressa
de forma interessante em abordagens como a permacultura.
Numa óptica
de intervenção social para o desenvolvimento sustentável,
expressa-se pelas associações ambientalistas como a LPN e a Quercus
e as inúmeras organizações de desenvolvimento local. Numa
perspectiva mais empresarial, encontra expressão na cultura da
Responsabilidade Social da Empresas, designadamente através de
estruturas como a BCSD.
De um modo
geral, com a Internet, a generalização do acesso à informação e
às redes globais de relacionamento, a integração e a
internacionalização destas múltiplas abordagens e dos seus actores
aprofunda-se.
Mas,
efectivamente, nas práticas e nas decisões actuais, persiste uma
cultura dominadora que reflecte a educação e a sociedade dos
últimos 80 anos. É bem representada pelos envelhecidos defensores
do crescimento económico como o promotor do progresso, cépticos em
relação à insustentabilidade (evidente na actualidade) do nosso
modelo de consumo, de produção e de convivência com a natureza.
Continua-se a defender que o progresso se baseia no racionalismo
obtuso, na produção, no crescimento económico e na dinamização
dos consumos, transformando a economia e a indústria em predadores
de recursos e a sociedade numa extensa fábrica virada para a
satisfação voraz dos consumidores e para o lucro irresponsável.
De acordo com
os «5 axiomas da sustentabilidade» de Richard
Heinberg e as perspectivas das Cimeiras da Terra de 1992 e 2002, já
muitos perceberam que o progresso da Humanidade tem de se
basear num «Regresso à Terra», como advogou há mais de 15 anos
Soromenho Marques. Existe a necessidade de restabelecer um forte
equilíbrio entre a Mãe Terra (os seus ecossistemas milenares) e as
pessoas dentro das comunidades, na busca do máximo bem-estar
integral, regenerando os ecossistemas de suporte, numa óptica local
e global com forte responsabilidade de todos. Até porque as
alterações climáticas, a desflorestação, a urbanização
predadora e a contaminação dos recursos essenciais (água, solo e
ar) conjugam-se para uma mudança ecossistémica acentuada à escala
global que reduz o horizonte de sustentabilidade do planeta e da
Humanidade para perto dos 2250 anos depois de Cristo ou,
eventualmente, como advoga um número crescente de cientistas, para a
próxima geração!
Hoje, na perspectiva optimista, a
pegada ecológica (William Rees, 1992) média mundial está perto do
limite de sustentabilidade. Mas a população continua a crescer e,
se nada se alterar, em 2050, seremos entre oito mil e 9.000 milhões
de habitantes humanos no planeta Terra. Cada português contribui com
a sua parte, salvaguardando o conforto que adquirimos nos últimos 40
anos. Temos uma pegada ecológica por pessoa muito superior ao que o
planeta suporta e superior à média europeia! Somos, efectivamente,
irresponsáveis à vista do que já conhecemos.
Esta situação corresponde a uma
cultura de irresponsabilidade que as conferências de Paris (2008) e
de Barcelona (2010) sobre o desenvolvimento económico sustentável
puseram a nú, mas sobre a qual demoramos a agir.
Confirma-se hoje, no âmbito dos
especialistas e investigadores destas áreas, que a prosperidade
económica que temos fragiliza e põe em causa a prosperidade social,
a sustentabilidade da natureza e a sustentabilidade política das
democracias e das monarquias. A situação actual promove a
insustentabilidade, não sendo possível combatê-la com soluções
parcelares e desgarradas, apenas com uma solução integral e
responsável. Mas esta consciência ainda não se encontra
devidamente disseminada, nem as soluções se encontram devidamente
amadurecidas.
Todavia, as propostas de Rob Hopkins e
do movimento de transição no seu Transition handbook ou as
abordagens do decrescimento económico (degrowth movement)
emergem como caminhos de recuperação que carecem de uma forte
disseminação e vinculação social.
É neste campo que o movimento
escutista, seguindo as perspectivas dos seus fundadores, pode
afirmar-se como uma das maiores riquezas à escala global!
Efectivamente, o escutismo pode ser a resposta para uma sociedade em
crise que precisa de se reencontrar com a Terra, ampliando-se e
alargando-se na defesa de princípios universais de base ecológica e
transcendente que também começam a ter relevância nos discursos
empresariais, políticos e psicológicos. Até porque, sendo um
movimento voluntário e aberto, de consciencialização e educação
não formal para crianças e jovens, sem vínculos
politico-partidários, que complementa a educação das outras
instituições, valoriza a participação de pessoas de todas as
origens sociais, raças e crenças.
Afinal, apenas se alteram alguns
equilíbrios e as convicções das modas que passam, mas persistem as
grandes convicções que as religiões, as instituições e as
filosofias ancestrais consagram! Mudam-se os tempos, mas não mudam
as bases estruturais da Humanidade na Terra!
Alicerçados na
Internet, que disponibiliza informação a nível global, muda as
nossas relações, liberta-nos, torna-nos mais interdependentes e
liga-nos a todos nos problemas e soluções que podem existir,
aqueles que lutam pela Terra estão agora mais juntos e mais
conscientes. Entramos numa nova era de progresso muito para além do
económico, numa nova proposta de criação de sustentabilidade a
partir da civilidade e da cooperação responsável: o decrescimento
sustentável.